Toti
Se alguém estiver se perguntando se eu estava chorando no momento da foto atual, a respostá é sim. Na foto da Tônia de 31 anos atrás ela deveria estar feliz e fazendo um brllllrrbrllll  qualquer, crente que estava imitando um carro de verdade, e ainda babando o mundo porque além de comer e dormir, babar também era uma de minhas especialidades.

Talvez naquela época também eu dirigisse melhor que hoje. Fica a dúvida.

O fato é que olhando essa foto eu consegui sentir um amor, um amor tão profundo, tão forte, que me apertou a alma, sabem? Talvez muito de vocês não saibam porque eu acho que sou uma grande sortuda nesse quesito. Eu sou um ser tão amado, mas tão amado que isso atravessa meu coração. Freud não teria a quem culpar por meus traumas da vida adulta.

Eu olhar pra essa foto de criança é me sentir o ser mas feliz e até idolatrado. Eu sei que muito provavelmente não fui planejada, mas eu fui amada pelos meus pais desde o primeiro instante. Se eu puxar lembranças remotas, eu consigo ouvir algumas pessoas cantando musiquinhas para me acalmar quando eu sentia dores, talvez cólicas, talvez desconforto com os dentes nascendo. Eu não sei. Mas eu fui amada demais.

Meu pai, poxa! Eu vejo tantos "abortos" de pais. Esses que abandonam as mães quando descobrem que elas estão grávidas. Meu pai pai é aquele que eu vejo marejar os olhos em cada despedida  quando venho pra minha casa. É o que pergunta se tá faltando algo e que trabalha feito um louco com medo inconsciente de que me falte algo mesmo eu tendo já 32 anos. E que ficou com meu cachorro - o grande amor da minha vida - quando eu estava totalmente perdida na vida sem nem pestanejar ainda me ameaçando se eu ousasse trazer ele de volta. E SE VOCÊS VISSEM O QUE É O AMOR DO CHE E DO MEU PAI. Minhas lembranças mais remotas com meu pai é ele sendo mais criança que eu, me chutando bola, me jogando casca de banana pra dar susto, me colocando na garupa pra ir passear ver peixes e tartarugas, me ensinando errado propositalmente o nome das coisas pra depois rir demais da minha cara e ver eu cruzando os braços pistola porque acreditei nele. Bullying? Não! Meu pai é o palhaço que todo mundo gostaria de ter em casa. É aquele que ensinou a amar os bichos, a organizar as coisas (essa parte eu fiquei devendo), a zoar.

Minha mãe? Minha mãe foi a que eu culpei pelos meus próprios erros, a que aguentou no osso a minha aborrecência, a que me ensinou a ser livre, a amar a tudo, a todos, que a gente tem que se encontrar do jeito que somos, que tem um senso de humor fora do comum, que ensina os sobrinhos a fazer as peripécias, a que tem disposição pra tudo a hora que for, que enxerga a parte engraçada da vida nos piores momentos.

Foi nesse berço que nasci.

E agora eu olho para aquele bebê naquele carrinho e eu queria dizer pra ela ter orgulho de mim. Pequena Tônia, você não sabia pelas tantas coisas que a gente passaria na vida. Nossa mãe há poucos dias me disse que você era esperta porque você não tinha sonhos, você vivia um dia de cada vez. Você não queria ser alguma coisa quando crescesse. Eu disse ainda: que tipo de criança sem ambição nós éramos? Você era tão esperta! Meu deus, você ria de tudo!

Sabe aquele amor por cachorros? Nós ainda temos! Hoje nós temos um cachorro chamado Che. Eu sonhei com ele quando nós tínhamos 16 anos de idade. Eu dizia que quando tivesse minha vida teria um cachorro chamado Che. E eu consegui. Ele é o nosso grande amor e você certamente riria com os mesmos brilhos nos olhos se o visse.

Sabe baby Tônia, a vida algumas vezes foi cruel. A maioria das pessoas não sabem das vezes que deitei no travesseiro e derramei tantas lágrimas de medo do futuro. Eu desenvolvi ansiedade. Eu tive crises horríveis. Eu achei que ia morrer e algumas vezes eu verdadeiramente quis morrer pra não sentir mais aquilo. Pequena, eu senti tanto medo. Eu me senti um fracasso. E esse talvez tenha sido o pior sentimento que experimentei. Você na sua motoca que corria solta pelo pátio do vô Marino nem sonharia com isso. Lembra que cavávamos o pátio com uma colher procurando ossos de dinossauro? Eu desejei por vezes voltar àquela época pra tirar do peito tanta dor que eu sentia. Eu comi as minhas dores. Comi mesmo.  Sem ver eu engordei 40kg em questão de meses.

Estranho, né? Mas a vida não perdoa. E no frigir dos ovos, pra curar essa fase, eu passei 11 dias numa cama de hospital sem saber  se sairia realmente viva. Eu vi quem tanto nos ama chorar por nós. E eu senti tanto, tanto, tanto. Eu senti todo aquele amor novamente. Eu sentia ódio de quem me deixou assim. Eu sentia dor por quem tinha que me ver assim. E eu não sabia o que pensar sobre nossos pais, era tão injusto. Eu queria viver por eles.

Mas pequena Tônia, hoje vendo seus olhinhos sorrindo nessa foto, eu quero dizer que eu me perdoei por ter chegado nessa fase, eu perdoei por todas minhas falhas que carreguei durante 10 anos, ou talvez mais. Eu acho que vivi um limbo que nem sei exatamente o que aconteceu. E de agora em diante eu respeito a nossa história. A nossa história é grande, sabe? Porque nós somos, mais que qualquer outra coisa, sobreviventes.

Meu corpo hoje tem cicatrizes. Elas não são bonitas mas eu não vou tirá-las. São elas que dizem que eu sobrevivi. Que nós sobrevivemos.

Pequena! Eu quero buscar de volta o teu sorriso. Eu não sei como faz isso mas nos últimos dias eu tenho visto que as pessoas me amam daquela mesma forma. Eu só não preciso delas da mesma forma que você sobre os primeiros passos, palavras, emoções. Hoje eu descobri que eu posso voar pra muito longe e a realidade é que eu quero isso, eu quero voar. Eu descobri que criei asas lindas. E enquanto houver saudade eu sempre vou voltar.

Ay, mi familia

Oigan mi gente

Canten a coro nuestra canción

Amor verdadero nos une por siempre

En el latido de mi corazón