Toti

Desde a adolescência eu sonhei em morar só. Primeiro porque queria fazer faculdade em outra cidade e depois porque nunca sonhei em casar e essas coisas todas. Já falei algumas vezes de que quando pensava no meu futuro sempre via a imagem de uma janela enorme, eu sentada perto dela olhando pra fora com um livro sobre o peito e um cachorro aos meus pés. É minha imagem de paz, é minha imagem de fuga quando a ansiedade aperta.
Quando eu realmente fui morar sozinha aos 24 anos, em maio de 2012, eu nem sequer pensei que estava realizando meu sonho. Eu tava muito mais focada em sair da cidade onde morava e trabalhar. Me dei conta que morava sozinha muito tempo depois, quando numa crise de labirintite não sabia a quem pedir socorro. Mesmo assim acho que só de um ano pra cá consigo ter ideia do quanto essa vida é maravilhosa e ao mesmo tempo assustadora.
Eu tive que aprender muito sobre conviver comigo mesma. Sempre gostei da solidão mas nunca vivi ela efetivamente porque tenho muitos amigos e minha família sempre foi bastante presente. 
Quando a solidão me bateu realmente eu já estava longe de tudo e todos, eu chorei algumas vezes, não por arrependimento mas por me sentir perdida, de perceber que eu não sabia ser boa comigo mesma, que eu precisava de diálogos, de risadas e de troca de energias. Foi quando percebi também que não poderia mais ter o  cachorro sob meus pés porque minha vida seguiu um rumo totalmente diferente e o cachorro me escapou por entre os dedos. Me senti incapaz de cuidar de mim mesma, senti que havia fracassado, foi bem ruim. Foi.
Mas eu conheci uma coisa chamada resiliência e eu não podia estar tão entregue assim porque aparentemente a vida tinha/tem planos pra mim, eu não morri quando cheguei perto da morte, então eu acreditei que ganhei uma nova chance e poderia fazer novos planos. Decidi por começar a aprender a conviver comigo, a não me maltratar tanto, a não exigir tanto de mim. Confesso que ainda não cheguei onde quero, mas já consigo apreciar minha própria companhia sem doer.
Estar constantemente só é dolorido, sabe?Foi uma decisão minha? Lógico, foi. Faria tudo novamente. Mas não quer dizer que sempre é bom. Eu sinto falta de abraços enquanto as pessoas que estão mais próximas de mim estão abraçando e convivendo com outras pessoas. Estar só não quer dizer que queremos estar sempre a sós. Hoje eu consigo ficar feliz quando chega sexta-feira, eu abro um vinho e danço comigo mesma na sala, mas é bem solitário acordar no domingo e não poder ir até a casa dos meus pais comer o churrasco em família porque eles estão à 550km de mim. E também é solitário quando vejo que todos meus convivas estão se reunindo com seus familiares enquanto eu decido se almoço uma tapioca ou faço comida em pleno domingo.
Entendam que isso não é triste mas faz com que a gente valorize muito mais quem chama a gente pra perto. Eu fico muito feliz quando recebo um convite do tipo 'quer almoçar com minha família?'. Valorizo também quem quer se manter por perto, quem se convida pra estar comigo, quem move o mundo pra vir me dar um abraço. Por que eu mesma não sei como não interferir na vida das pessoas, eu não quero forçar minha presença na vida de ninguém por sentir carência de convívio. A carência deixa a gente um tanto burros.
Acredito que a parte mais difícil de morar só é quando ficamos doentes. Ou quando pessoas, tipo eu, tem crises de ansiedade. Essa parte é a que me referi antes em ser assustadora porque a gente acha que tá tendo um AVC ou um infarto e vamos morrer sozinhos, sabe-se lá quando vão descobrir meu corpo já sem vida. Parece dramático, né? Mas são coisas que passam na cabeça de quem está tão longe de todos, ainda mais em meio a uma pandemia onde os contatos ficaram ainda mais difíceis e a presença física basicamente nula.
Eu gosto de estar só mas não gosto de ser só.
Acredito que quem mais sofre com isso tudo são meus pais porque sabem que qualquer coisa que aconteça comigo eles estão muito longe pra me socorrer mas eu também não posso deixar que esse sentimento tome conta deles porque apesar dos pesares, eu to muito feliz onde estou.
Eu estou onde sempre sonhei estar. Tenho buscado melhorar minhas condições de vida, tenho buscado melhorar muitas coisas, minha cabeça - por sorte - já não é a mesma de quando eu tinha 24 anos. Hoje tenho mais noção dos perigos e da realidade e sobre tudo que de fato pode me acontecer mas também que não é esse o pensamento que carrego. Apesar da noção eu também sinto que estou onde realmente deveria estar, amo minha casa, meu canto, minhas verdades e meu dia-a-dia. Eu gosto de poder dançar comigo mesma e com a taça de vinho. Minhas pedras nos rins vão doer quando quiserem passar independentemente do lugar do mundo que eu esteja e eu já tenho meus kits de primeiros socorros pra quando elas doerem. Eu consigo reconhecer minhas crises de ansiedade, o que me ajuda muito a fazer com que ela cesse. Eu tenho antigripal, antialérgico e anti-inflamatório ao lado da cama. E eu me sinto protegida sob meu teto.
Ou seja, eu tive que aprender com tudo isso. Realmente quando fui morar só eu não tinha nem noção da vida, embora eu já tivesse 24 anos eu tinha uma noção de realidade bem diferente, eu não tinha medo de nada, não sabia que a vida não vinha com para-quedas.
Morar só exige da gente, principalmente quando tu percebe que não pode contar muito com as pessoas e não porque elas não estão presentes mas porque tu também precisa ser adulto. Quando o chuveiro queimava, eu nunca precisei me preocupar com banhos frios porque sabia que no mesmo dia meu pai ia trocar a resistência ou o chuveiro. Hoje se eu não fizer nada sobre isso, vou tomar banho gelado. E é muito bom aprender a se virar. Eu já liguei pra minha mãe pra saber como se faz beterraba cozida, porque não sabia em que momento da vida eu descascava a beterraba, se antes ou depois de cozinhar. Eu já abri lata de milho com tesoura por não ter um abridor de latas.  Todo inverno eu brigo com os mofos que se formam nos meus móveis por morar num lugar extremamente úmido e que bate pouco sol nos dias frios. Mas sabem, é minha casa, é minha rotina, é minhas coisas. E tá tudo tão certinho sem maiores problemas na vida, que no fundo eu sou aquelas pessoas totalmente 'namastê/gratidão' em meio as reclamações.
Morar só ensina muito. Se você não faz comida, você não come. Se não come, adoece. Se adoece, é você por você mesma. E a gente aprende sempre da pior forma!
O fato é que tem dias que são bem difíceis mas é gratificante perceber que estou me tornando muito mais humana, empática e alguém melhor. Não troco minha vida por nenhuma outra, minhas cicatrizes estão aqui pra dizer que eu sobrevivi e tenho orgulho de cada uma delas.
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